quinta-feira, 21 de maio de 2020

NA MINHA RUA




Na minha rua se vendia manuê
E cambo de peixe que carregavam
Os pescadores do rio,
Os sonhadores no frio
Das madrugadas do Igaraçu,
Os armadores de tarrafas e anzóis,
Os pecadores nas redes e lençóis
Nas noitadas com as mulheres
Da munguba e dos arrebóis.

Na minha rua não tinha calçamento
E cuscuz lá também se vendia.
Se era de arroz ou de milho
Quem se importa, meu filho?
No desenho da areia molhada
A meninada da rua, faminta,
Disputando a vitória no "finca"
São os ganhos no jogo da vida
De uma vida-criança que brinca.

Na minha rua não tinha esgoto
E nem bueiro, só tinha areia
Areia fina do aterro,
A inocência nem vê o erro
Do descaso dos meus dez anos
Na minha rua eu jogava bola
Não tinha fome, nem coca-cola
Tinha o campinho do benvindão
Eu nem lembrava se tinha escola.

Na minha rua não tinha dengue
E nem mosquito, isso eu não via.
Brincava à toa, 
Lá na lagoa
Da quarenta que se chamava
Lá se assentava, água salobra 
Se via o pato, tempo de sobra 
Se via o sapo e o peixe-mussum 
Que eu pensava que era cobra.


Na minha rua a gente brincava
Passava o tempo e nem se notava
A pobreza à volta.
Lembranças soltas,
Trago comigo a leveza daqueles dias, 
Da rua que o tempo fez afastar
Memória minha, vem afagar!
Não troco a rua daqueles tempos
Pela rua de hoje que há.

À minha rua, eu creio, ainda
Quem sabe um dia poder voltar,
Na rua do tempo,
Nas ondas do vento,
 Não a rua do espaço,
Pois que lá ela está,
Mas, que possa, o poeta sonhar,
Nessa terna lembrança 
De nela brincar.