Na minha rua se vendia manuê
E cambo de peixe que carregavam
Os pescadores do rio,
Os sonhadores no frio
Das madrugadas do Igaraçu,
Os armadores de tarrafas e anzóis,
Os pecadores nas redes e lençóis
Nas noitadas com as mulheres
Da munguba e dos arrebóis.
Na minha rua não tinha calçamento
E cuscuz lá também se vendia.
Se era de arroz ou de milho
Quem se importa, meu filho?
No desenho da areia molhada
A meninada da rua, faminta,
Disputando a vitória no "finca"
São os ganhos no jogo da vida
De uma vida-criança que brinca.
Na minha rua não tinha esgoto
E nem bueiro, só tinha areia
Areia fina do aterro,
A inocência nem vê o erro
Do descaso dos meus dez anos
Na minha rua eu jogava bola
Não tinha fome, nem coca-cola
Tinha o campinho do benvindão
Eu nem lembrava se tinha escola.
Na minha rua não tinha dengue
E nem mosquito, isso eu não via.
Brincava à toa,
Lá na lagoa
Da quarenta que se chamava
Lá se assentava, água salobra
Se via o pato, tempo de sobra
Se via o sapo e o peixe-mussum
Que eu pensava que era cobra.
Na minha rua a gente brincava
Passava o tempo e nem se notava
A pobreza à volta.
Lembranças soltas,
Trago comigo a leveza daqueles dias,
Da rua que o tempo fez afastar
Memória minha, vem afagar!
Não troco a rua daqueles tempos
Pela rua de hoje que há.
À minha rua, eu creio, ainda
Quem sabe um dia poder voltar,
Na rua do tempo,
Nas ondas do vento,
Não a rua do espaço,
Pois que lá ela está,
Mas, que possa, o poeta sonhar,
Nessa terna lembrança
De nela brincar.