terça-feira, 9 de junho de 2020

UM POEMA VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS


(Carlos Drummond de Andrade, 31/10/1902 - 17/08/1987)


Quadrilha

(Poema publicado em 1930 em sua primeira obra Alguma Poesia)


João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.



Minhas impressões sobre esse lindo e instigante poema:

Um poema vale mais que mil palavras, e vou provar o porquê!


Não interessa quantas palavras o poema tenha. O que interessa é o valor de cada palavra no poema, porque, embora ele use palavras, o poema não fala o que as palavras dizem. O poema faz as palavras dizerem o que o poeta quer dizer. 


Todo poeta é um alquimista de palavras!


Analisemos, por exemplo, as palavras do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema denominado “Quadrilha”: o que esse poema diz para você? Eu não sei o que esse poema diz para você, mas, para mim, o poema fala muito sobre o amor.


Vejamos apenas três pontos que me chamaram atenção nesse belo poema:


1. O amor nem sempre é biunívoco, pois ele pode não ser correspondido, claro! Então vem a pergunta: O que é o amor não correspondido? Respondo: é o fake news do amor, pois representa a completa alienação da felicidade própria. O amor verdadeiro não se pergunta sobre o retorno, o amor verdadeiro não necessita de correspondência, ele não precisa de espelho, o amor verdadeiro é gratuito e incondicional. O amor verdadeiro simplesmente ama, ponto.


2. As pessoas se amam, sim, isso é verdade. Mas, muitas vezes, ao amar, as pessoas se confundem sobre o que é o amor. Quem ama não foge, como João; não se enclausura, como Tereza; não se mata num desastre, como Raimundo; e nem se desilude e fecha o coração, como Maria. Quem ama verdadeiramente enfrenta os desafios, encara as dores que vierem, não morre, mas fica vivo para amar mais; quem ama, verdadeiramente, deixa o coração oxigenar, pois abre as portas e janelas da vida para novas chances e oportunidades. O amor é vida, o amor é alegria, o amor é luta diária de autoafirmação e consciência de si; o amor não é sofrimento, não é dor e não é alienação! Ninguém é capaz de amar verdadeiramente o outro se não for capaz de amar a si próprio, em primeiro lugar! Somente quem experimenta o amor verdadeiro é capaz de distribuí-lo! Na verdade, a essência do amor é distribuição!


3. No poema, o poeta não fala do amor antes de João, sequer do amor inexistente de Lili. No entanto, esta se casou, aquele fugiu! Ora, quem ama verdadeiramente não foge, e quem se casa nem sempre é por amor! Qual amado teria um nome tão parecido com a insígnia de uma empresa “J. Pinto Fernandes”? Será que Lili se casou com “José”, com “João” ou talvez com o próprio “Joaquim”, cujo sobrenome era “Pinto Fernandes”, mas que depois descobriu o amor não correspondido de Lili e, por isso, se matou?


Bom, tratei apenas três pontos acerca do que me impressionou esse lindo e instigante poema do grande poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade. E só por isso já se foram mais de quinhentas palavras e mais de três mil caracteres!


Imagine tantas outras impressões e interpretações possíveis que um poema, como esse, pode ocasionar nas pessoas!


Portanto, está provado: um poema vale mais que mil palavras!


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