terça-feira, 9 de junho de 2020

MEU QUARTO

(Créditos: Vincent Van Gogh, O quarto de Arles)


Não fosse esse tempo de isolamento social, essa pandemia que me enclausura pelo medo da morte, eu poderia pensar que este mundo que clama pela permanente intercomunicação e interatividade, onde as pessoas têm que estar constantemente antenadas, plugadas, conectadas, ligadas... não, não há espaço para o silêncio e a intimidade, não há espaço para o meu autoconhecimento, pois se sou, o sou, pelo que os outros me legitimam! Que vida triste a minha, escravo das alheias perspectivas! Eu tenho que mudar isso, pois não sou, a despeito de Berkeley, apenas um objeto a ser visto! Isso é urgente! Eu não sou objeto, eu sou sujeito e dono de minha própria percepção, quer gostem os outros, quer não!

Mas o quarto, o meu último refúgio para a autocontemplação e meditação íntima comigo mesmo, onde somente eu sou o espelho de mim mesmo, já não passa de um mero depósito de um corpo abarrotado de dramas e estresses que calam o corpo num repouso forçado. 

Já não se lê mais; já não se ouve música; já não se curte mais a intimidade como antes - o quarto, esse recôndito da intimidade, já não serve mais pra nada além do obrigatório depósito de resíduo de um corpo cansado de tantas redes sociais e celulares que não nos deixam em paz!

Ele, o quarto, poderia, muito bem, cumprir outras tarefas além de servir para dormir!

Vincent Van Gogh, o grande mestre da arte pontilhista, não se esqueceu de presentear a posteridade com um belíssimo quadro do seu quarto de quando vivia em Arles, na França. Não obstante, o fim que teve esse grande pintor conseguiu mostrar que um quadro (leia-se também "quarto") vale muito mais do que mil palavras!

O que escrevo sobre o meu quarto tenta ser um diálogo com o meu refúgio, aquele que é mais escondido de mim.


Meu quarto, meu refúgio!

Esconderijo de minhas mágoas

Leito sereno das águas

Que escorrem do meu rosto

Como aljôfares em folhas ressecadas



Meu quarto, meu ninho!

Repouso de um guerreiro

Que em disputas por outros peitos,

Vísceras expostas de um defeito,

Que a lâmina do ódio meu íntimo feriu



Meu quarto, meu silêncio!

O conforto de um diálogo sem palavras

O aconchego de um sonho alienante

O sossego inalienável de direito

À solidão requerida por vontade


Meu quarto, meu “Eu”!

Onde toda a identidade,

Da nudez à intimidade,

Se revela na individualidade que acalma

Todo o corpo que enclausura minha alma!


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